Por Luciano Losekann e Michelle Hallack – A questão ambiental, tanto global quanto local. Recentes avanços tecnológicos transformaram as energias renováveis na escolha prioritária para a expansão de capacidade de geração elétrica. Segundo IRENA (2017), desde de 2012, a instalação de capacidade de renováveis ultrapassou as não renováveis de forma crescente. Em 2015, a capacidade instalada de renováveis representou 61% da capacidade total adicionada no mundo. Este aumento das renováveis no mundo se deve principalmente ao aumento das novas tecnologias de energia renováveis. Em especial eólica e solar. Em 2015 o aumento da capacidade instalada das duas fontes mais importantes das novas renováveis: solar e eólica, superou a de hidráulica pela primeira vez.
O Brasil se posiciona neste cenário de forma bastante peculiar visto a importância histórica das hidráulicas na matriz elétrica nacional. Por um lado, as energias renováveis no Brasil são um caso de sucesso. A participação de fontes renováveis na matriz de geração brasileira é de 85%[1]. Isto se deve, principalmente, à participação da energia hidroelétrica, uma tecnologia conhecida[2] e amplamente aplicada no Brasil. A expansão das hidráulicas, no entanto, enfrenta progressivamente maiores custos e restrições. Assim, se o Brasil quiser manter uma matriz limpa terá que fazer face as novas oportunidades e desafios. Estes relacionados a introdução das novas energias renováveis.
Externalidade ambientais dos combustíveis fósseis e esforço internacional de mitigação
Historicamente, os combustíveis fósseis se tornaram o recurso central da matriz energética mundial. Desde a Revolução Industrial, os sucessivos paradigmas tecnológicos calcaram-se na utilização crescente de combustíveis fósseis. Em 2014, 80% da demanda energética mundial foi atendida por petróleo, gás natural e carvão (IEA, 2016). A base fóssil da energia, no entanto, gerou externalidades ambientais importantes. Nas últimas décadas começou a ser colocada na pauta de política energética dos países (nacionalmente e internacionalmente). A dominância de combustíveis fósseis foi considerada determinante para o aquecimento global. A redução dessa participação é vista como a principal política para evitar a ocorrência de catástrofes ambientais.
A 21ª Conferência das Partes (COP21), realizada em dezembro de 2015, em Paris, traçou ações efetivas para limitar o aumento da temperatura média no mundo. Abaixo de 2º C até 2100, a partir de planos nacionais de compromisso de redução de emissões, chamados de INDCs.
A transição energética mundial para uma economia com baixa emissão de carbono dependerá da redução da utilização de combustíveis fósseis na geração de eletricidade. Atualmente a mesma responde por um terço das emissões globais. O caminho para a redução das emissões de outros segmentos de consumo deve envolver maior utilização de eletricidade. Indicando que uma matriz elétrica limpa, com elevada participação de fontes renováveis será essencial. Permitirá que a eletrificação do futuro reduza os níveis atuais de emissão.
Especificidades brasileiras: da renovável para as novas renováveis
A inserção do Brasil neste contexto internacional tem suas peculiaridades. Por conta da disponibilidade de recursos renováveis, o Brasil seguiu uma trajetória distinta. Hoje conta com uma matriz energética limpa em relação à média mundial.
A figura 2 compara a meta global de redução da intensidade de emissões de CO2 na geração de eletricidade condizente com o cenário 450 da Agência Internacional de Energia no horizonte 2040, que limitaria o aumento da temperatura global em 2o C, e a intensidade do sistema elétrico brasileiro em 2014. Se o esforço global mitigatório das emissões tiver êxito, a intensidade de emissão para a geração de energia global alcançará o índice brasileiro próximo do final do período de previsão. Ou seja, em matéria de matriz de geração limpa, o Brasil está 20 anos à frente da média global. O desafio que se coloca, no entanto, é manter a participação de renováveis na matriz de geração. Assim, a essa liderança não exime o Brasil de seguir políticas de mitigação de emissões.
Nesse sentido, na COP21, o Brasil comprometeu-se a reduzir as emissões de GEE em 37% em 2025 em relação aos níveis de 2005 e em 43% na mesma base de comparação até 2030. Para o setor de energia, o Brasil estabeleceu três metas (INDCs) no Acordo de Paris: (i) atingir participação de 45% de energias renováveis na matriz energética em 2030; (ii) aumentar a participação de bioenergia para 18% até 2030, expandindo o consumo de biocombustíveis, a oferta de etanol (inclusive segunda geração) e a parcela de biodiesel na mistura do diesel; e (iii) expandir o uso de fontes renováveis, além da energia hídrica, na matriz total de energia para uma participação de 28% a 33% até 2030 (EPE, 2016).
Para atender os objetivos propostos, o Brasil terá de repensar o papel das térmicas. Nos últimos anos, o papel desempenhado pelas termelétricas no Brasil tem sido inadequado em termos econômicos e ambientais. Baseada na perspectiva de utilização pouco frequente, a construção do parque termelétrico brasileiro priorizou a flexibilidade, através de tecnologias com menores custos de investimento e maiores custos operacionais. Essas tecnologias, como é o caso de sistemas térmicos em ciclo aberto, por não priorizarem a eficiência, acarretam em maior emissão por KWh produzido. No entanto, desde 2013, as térmicas brasileiras têm sido utilizadas intensamente, implicando em aumento dos custos de suprimento elétrico e das emissões de CO2.
O Brasil conta com posição privilegiada para acomodar uma expansão significativa de energias renováveis intermitentes (características das novas renováveis). Por um lado, o sistema elétrico brasileiro pode ser considerado dinâmico. Com crescimento elevado projetado para longo prazo, permite ajustes na expansão para adequar o sistema a maior geração de fontes renováveis intermitentes. Por outro, o sistema elétrico já dispõe de elevado grau de flexibilidade em decorrência: (i) da preponderância hidrelétrica (70% da capacidade instalada), (ii) da estocagem através dos reservatórios hídricos (211 TWh, equivalente a pouco menos de 5 meses da carga anual), e (iii) da possibilidade intercâmbio elétrico-energético através de um sistema de transmissão de dimensão continental (o SIN atende a 98% da carga do país).
Com estas características, a expansão renovável no Brasil pode ocorrer com custos de integração reduzidos. Os reservatórios acomodam a intermitência provendo flexibilidade. Ainda estocam a geração intermitente sob a forma de água, com o deslocamento da energia hidráulica evitada.
Promoção de energia eólica e solar no Brasil: mix de política energética e indústrial
Visto o potencial nacional tanto eólico quanto solar, o Brasil criou mecanismos de incentivos a promoção dessas fontes energéticas. Os principais elementos destes mecanismos são os contratos de longo prazo estabelecidos através dos leilões (PPAs) e o financiamento privilegiado do BNDES. Visto que grande parte dos financiamentos da indústria de energia passa pelo BNDES, isto não poderia ser diferente para novas renováveis. O financiamento do BNDES, no entanto, está relacionado com a política indústrial de produção de componentes nacionalmente. Assim, O BNDES criou políticas de conteúdo local específicas para as novas renováveis.
Enquanto a evolução da indústria da eólica mostrou uma grande efetividade na internalização de componentes (Ferreira, 2017), a adaptação a política de solar ainda deverá ser avaliada.
Principal política de incentivo ao desenvolvimento da cadeia produtiva do aerogerador no Brasil, a PCL do BNDES teve início com a contratação de energia eólica no PROINFA em 2002. Os requisitos para concessão de financiamento eram os mesmos de outros setores econômicos (índice de nacionalização dos equipamentos de 60%). Por avaliar que esse critério distorcia escolhas de tecnologias e não era suficiente para impulsionar a nacionalização de equipamentos de maior intensidade tecnológica, o BNDES implantou uma nova metodologia a partir de 2013.
A nova política do BNDES implementou regras que aumentavam gradativamente o requisito de conteúdo local dos equipamentos. Especialmente da nacele, que é a parte do aerogerador que possui os componentes de maior complexidade tecnológica. Esses requisitos deveriam refletir a maturidade dos fornecedores locais para o suprimento. Ferreira (2017) aponta que a política obteve sucesso em desenvolver fornecedores locais e atrair empresas de equipamentos para o Brasil. Ainda que persistam algumas lacunas de competitividade. Um tema crítico é a continuidade do ritmo de contratação de nova capacidade eólica no Brasil. A crise econômica estagnou a demanda de eletricidade e o leilão de energia de energia de reserva previsto para 2016 foi cancelado. Assim, os fornecedores domésticos podem ter problemas futuros para ocupar a capacidade instalada.
No caso da energia solar. Apesar de uma participação importante nos leilões de reserva (6°, 7° e 8° LER), a capacidade efetivamente em construção é limitada. Isso vem levantando questões. Andreão et al (2017) mostram que as duas principais empresas que participam de projetos com maior capacidade contratada nestes leilões são:
ENEL (envolvida com projetos que equivalem a 24% da capacidade solar contratada).
Canadian Solar (envolvida em projetos que equivalem a 13% da capacidade solar contratada).
As estratégias das duas empresas no que refere as exigências de conteúdo local do financiamento do BNDES são bastante diferentes. A primeira vem se apoiando em investimento próprio (sem financiamento do BNDES). Com obras mais avançadas e sem restrições de conteúdo local. A segunda, conseguiu este mês a aprovação do primeiro financiamento de energia solar no BNDES (R$ 529,039 milhões para implantação do Complexo Solar Pirapora, em Minas Gerais. Cinco usinas fotovoltaicas e potência instalada total de 150 MW e potência fotovoltaica instalada de 191 megawatts picos MWp)[3].
As diferentes estratégias parecem coerentes com as características das empresas envolvidas. A ENEL é uma empresa especialmente focada em energia (mesmo possuindo parcerias que fabricam painéis solares). A Canadian Solar é uma das principais empresas produtoras de placas solares no mundo. A empresa canadense possui ativos de geração solar em diferentes partes do mundo. Porém o que a destaca na indústria é a importância da mesma na manufatura de solar.